terça-feira, 7 de abril de 2009

Senado: a cultura do Ascone

Senado: a cultura do Ascone

Assessor de Coisa Nenhuma*


O Senado brasileiro acaba de extinguir 50 das suas 181 diretorias, das
quais 70% criadas pelo senador José Sarney (PMDB-AM), ao presidir a Casa
entre 2003 e 2005. Esse pequeno corte representa uma economia anual de R$ 4
8 milhões do dinheiro do contribuinte.
Diretorias cassadas não significam diretores desempregados. Perderam
apenas o cargo e, com ele, algumas mordomias, como gratificação mensal
(variável de R$ 2 mil a R$ 5 mil), uso de celular (conta paga por nós) e a
vaga na garagem do Senado.
Entre as diretorias extintas se destaca a Coordenação de Apoio
Aeroportuário. Para que servia? Ora, onde já se viu um senador (há honrosas
exceções, felizmente) fazer o próprio check-in e aguardar embarque misturado
ao comum dos mortais? Nada como dispor de um serviçal atendido por um
solícito funcionário da empresa aérea, sem fila nem risco de viajar no
assento do meio, enquanto o parlamentar espera confortavelmente instalado na
sala VIP.
E ao desembarcar, lá está outro serviçal para aguardá-lo à porta da
aeronave, prestimoso em carregar-lhe a pasta, recolher as malas na esteira e
encaminhá-lo ao veículo oficial solenemente estacionado em local vetado ao
cidadão comum.
Havia uma diretora do Gabinete de Coordenação e Execução (de quê?).
Ingressou na Casa como telefonista e, graças à conivência de senadores,
chegou à função de diretora. Entre alto salário e gratificações, permitia-se
a ela estacionar, na garagem privativa do Senado,uma reluzente BMW. Aliás,
não era a única diretora do referido gabinete. Havia mais três!
Entre as 50 secretarias extintas, figuravam três Secretarias Técnicas
de Eletrônica e, ainda, uma Subsecretaria de Convergências Tecnológicas e
uma Subsecretaria de Tecnologia da Informação. Fico a imaginar a que
atividades se destinavam tais órgãos. Possivelmente a instalar e reparar
equipamentos eletrônicos, como computadores. O que seria "convergência
tecnológica"? A padronização de linguagens informáticas ou a sincronização
de programas e planilhas?
Chama a atenção que, dispondo de tanta tecnologia, o Senado ainda
registre suas sessões por meio de taquigrafia. Não é tempo de gravar
discursos e debates dos parlamentares em fitas magnéticas, vídeos e dvds?
Continuam em plena vigência as subsecretarias de Registro Taquigráfico,
Redação Taquigráfica, Revisão Taquigráfica e Supervisão Taquigráfica. Por
que não usar a estenotipia?
Reza um antigo provérbio latino: "Senatores boni viri, senatus autem
bestia" (Os senadores são boas pessoas, mas o senado é uma besta). Na
verdade, bestas somos nós, que nem sempre somos criteriosos ao eleger nossos
políticos. É verdade que, entre os 81 senadores, há aqueles que primam pela
ética, não se deixam picar pela mosca azul e até ousam denunciar que a
corrupção grassa entre alguns de seus pares.
Agora o Senado conta com 131 diretorias! Entre elas a Secretaria da
Polícia do Senado, e as Subsecretarias de Polícia Ostensiva, de Proteção a
Autoridades e de Polícia Judiciária. Verdadeiro Exército de Brancaleone!
Essa policiada toda investiga, lá dentro, indícios de corrupção, abusos de
autoridade, nepotismo e malversação?
O mal do Senado é endêmico na máquina pública: a cultura do Ascone –
Assessor de Coisa Nenhuma. Balança-se a árvore dos ministérios, das estatais
dos governos estaduais, das assembleias legislativas, das câmaras de
vereadores e das prefeituras, e se constata que há uma legião de
funcionários inteiramente dispensáveis, pessoas que ocupam funções inócuas
criadas para acomodar apadrinhados de políticos.
O político safado não tem o menor escrúpulo em cavar um emprego público
para o cabo-eleitoral, o filho do correligionário, o afilhado da cunhada, a
filha do financiador de campanha. E quando a imprensa cumpre o seu papel de
fiscalizar como é gasto o dinheiro do povo há senadores que, como disse
Jesus, veem o cisco no olho alheio e não enxergam a trave no próprio. Ou
seja, acham que o exagero é da mídia, e não de uma Casa parlamentar que se
dá ao luxo de empregar aproximadamente 10 mil funcionários (3,4 mil
concursados; 3,1 mil comissionados; e cerca de 3 mil terceirizados). Este
total representa 123,4 servidores para cada um dos 81 senadores. Tudo pago
pelo contribuinte.
O governo nos deve a reforma política. Enquanto não vier, a máquina
pública continuará a servir de cabidão para amigos, parentes e aliados de
políticos, e bandidos e corruptos disputarão mandatos políticos para gozarem
de impunidade e imunidade. Numa República decente, os senadores seriam os
primeiros a dispensar foro privilegiado, matricular os filhos em escolas
públicas e recorrer ao SUS em caso de problemas de saúde.
Os políticos jamais deveriam se sentir incomodados por prestar contas à
opinião pública. É o dever deles.
Frei Betto

----------------------------------------------------------------------------
-

* Antes, denominado mais apropriadamente Aspone - Assessor de Porra Nenhuma.

O autor optou por uma expressão mais adequada ao seu estilo elegante de
escrever.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por comentar !! Volte sempre e comente mais !!! rs

.

Wikipedia Affiliate Button